O cuidado ético diante do uso de drogas
- Camila Dias
- 6 de set.
- 3 min de leitura
O uso de substâncias psicoativas, como álcool, psicofármacos ou mesmo as drogas hoje consideradas ilícitas, sempre esteve presente na experiência humana, assumindo diferentes funções e significados conforme a história, a cultura e o contexto individual.
No entanto, é preciso considerar que não são raras as situações em que vemos essa relação de consumo se tornar danosa e prejudicial, com a substância sendo elevada a uma posição de controle da vida do sujeito, provocando o desencademento de consequências trágicas no seu plano individual, familiar e social e causando, com isso, um intenso sofrimento psíquico.
Longe de ser apenas uma questão médica ou moral, o uso abusivo de álcool e outras drogas é uma questão complexa, que atravessa dimensões sociais, culturais, políticas e subjetivas. Envolve dor, laços familiares e comunitários, modos de vida e também formas de lidar com o mal-estar da existência, como aponta Freud em O Mal estar na Civilização:
"A vida, tal como nos coube, é muito difícil para nós, traz demasiadas dores, decepções, tarefas insolúveis. Para suportá-la, não podemos dispensar paliativos. (...) Existem três desses recursos, talvez: poderosas diversões, que nos permitem fazer pouco de nossa miséria, gratificações substitutivas, que a diminuem, e substâncias inebriantes, que nos tornam insensíveis a ela."
Freud
Infelizmente, quando o uso se torna excessivo e gera sofrimento, é comum que a pessoa se depare não apenas com os desafios clínicos da situação, mas também com o peso do julgamento moral vindo da sociedade. Estigmatizados como "viciados" ou "fracassados", esses indivíduos (e até seus familiares) podem se sentir isolados, desamparados e desqualificados. Esse julgamento externo agrava o sofrimento psíquico, dificultando a busca por ajuda e o processo de recuperação.
Na psicologia, por outro lado, compreendemos algo essencial: as relações possíveis com as drogas são múltiplas e singulares. O que leva alguém a usar uma substância pode ser muito diferente do que leva outra pessoa, e isso precisa ser levado em conta no cuidado. Para alguns, o consumo pode representar uma tentativa de lidar com dores emocionais; para outros, um hábito social ou uma busca por prazer.
Em todos os casos, há sempre uma história única por trás.
É justamente por isso que um cuidado ético não pode ser reduzido a impor fórmulas prontas, nem a generalizar condutas. Ele exige escuta atenta, respeito e acolhimento, reconhecendo a singularidade de cada sujeito e sua relação particular com a substância.
Vale ressaltar que, neste contexto, estratégias como o cuidado que não afasta a pessoa da sua vida real e as abordagens de redução de danos têm se mostrado mais eficazes do que modelos baseados em internação compulsória, isolamento social ou afastamento forçado. Enquanto esses últimos tendem a acentuar o estigma e interromper vínculos importantes, o cuidado que acompanha a rotina da pessoa aposta na construção de possibilidades dentro da vida cotidiana, fortalecendo redes de apoio e promovendo autonomia.
Para além de um foco na interrupção do uso, o tratamento deve buscar oferecer um espaço onde a pessoa possa falar de sua experiência, compreender o sentido que o uso tem em sua vida e, a partir daí, construir os seus proprios caminhos possíveis de cuidado.
Porque, acima de tudo, o sofrimento humano merece ser ouvido
sem moralizações, sem rótulos e sem reduções.
O tratamento psicológico do uso abusivo de drogas não é um caminho de imposições, mas de escuta, acolhimento e construção conjunta. Assim, a clínica se torna não apenas um lugar de enfrentamento da dependência, mas um espaço de afirmação de vida, dignidade e singularidade.
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