Abordei rapidamente em outro momento sobre o processo terapêutico requerer do profissional, entre outras coisas, uma compreensão da dinâmica psíquica das pessoas. Esse é um dos pontos que diferencia, por exemplo, um atendimento profissional daquele desabafo e conversas que temos com nossos amigos.
Enquanto profissional, eu sei que em meio ao que meus pacientes dizem, sentem e fazem, há forças psíquicas em jogo: desejos, conflitos, defesas e também FANTASIAS, um conceito que é essencial para compreendermos como cada pessoa interpreta e se relaciona com o mundo.
Fantasiar é inerente ao psiquismo. Diante de situações de conflitos internos, angustias e frustrações (que, inevitavelmente, toda pessoa terá contato ao longo da vida) nós inconscientemente encontramos algumas saídas, e a fantasia é uma delas. Trata-se de uma construção inconsciente, sobre a qual não temos controle e nem acesso de forma direta, mas que podemos sentir seus efeitos.
Ocorre que, apesar de ser inconsciente, a fantasia que criamos segue operando de alguma forma e estrutura nossas experiências, faz uma mediação da nossa relação com o mundo. Podemos considerá-la como o roteiro inconsciente que orienta como interpretamos e respondemos às experiências da vida. Olha só:
"A influência da fantasia me faz imaginar um homem que tivesse usado óculos azuis desde a infância, sem saber que os usa, e que percebesse em azul tudo que conta efetivamente para ele. Suas vivências, suas escolhas e seus atos seriam inevitavelmente guiados por essa visão azulada de sua realidade afetiva. Assim, diremos que, ao observarmos nossa realidade, vemos uma coisa diferente do que se pinta na retina. Não vemos o que é, mas o que queremos ver, o que devemos ver segundo nossas fantasias e os desejos que as animam. No fundo, não vemos as coisas tais como são, mas tais como as desejamos* e as fantasiamos."
J. D. Nasio - A Fantasia
Se nossa fantasia, de certo modo, distorce a nossa visão da realidade é inevitável que influencie nossas respostas e comportamentos. Uma vez que a realidade é filtrada segundo a lógica da nossa fantasia inconsciente, vamos reagir não ao que de fato acontece, e sim ao que acreditamos estar acontecendo... e acabamos muitas vezes repetindo as mesmas relações, frustrações e conflitos, sem perceber que estamos presos a um roteiro que nós mesmos (inconscientemente) escrevemos e isso gera sofrimento.
Você pode ter a sensação durante a sua vida de que está constantemente lidando com situações muito similares...
O evento específico muda (nomes, lugares, circunstâncias), mas a lógica inconsciente – construída na fantasia – se repete.
Por fim, a psicoterapia vai ser justamente o caminho para que o sujeito se depare com sua própria fantasia, e possa questioná-la. Não se trata de "eliminar" a fantasia — até porque, como disse antes, ela é inerente ao psiquismo —, mas de torná-la menos aprisionadora. Quando um paciente percebe que seus sofrimentos estão ligados a um roteiro inconsciente que se repete, ele ganha a possibilidade de sair do automatismo e criar novas formas possíveis de estar no mundo, de desejar existir.

Ps: Nossas fantasias estão relacionas aos nossos desejos, mas esse papo fica pra outro momento.
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