Não posso começar um texto acerca do tema da depressão sem um apontamento que considero de extrema importância:
Nós vivemos em uma época em que a tristeza tem sido cada vez mais malvista, quase como uma falha a ser corrigida, um erro de percurso na busca incessante por felicidade. Estamos submetidos à uma lógica que nos cobra constante produtividade e bem-estar, nos vendendo a ilusão de que qualquer abatimento precisa de um remédio imediato. Mas a verdade é que momentos tristes fazem parte da vida.
Sentir-se para baixo diante de uma perda, decepção ou mudança, por exemplo é uma resposta humana, não um sinal automático de doença.
Por outro lado, não é necessário um diagnóstico formal ou a espera por uma intensificação do sofrimento para buscar por apoio e psicoterapia, e eu também abordei um pouco sobre isso AQUI.
Tendo isso em mente, existem sim situações em que um sofrimento se prolonga, se intensifica e pode inclusive se tornar incapacitante, adentrando o campo do que conhecemos como DEPRESSÃO (e que, assim como a ansiedade que tratei em texto anterior, é apontada pela Organização Mundial de Saúde como uma epidemia mundial).
Enquanto os manuais psiquiátricos definem a depressão por meio da presença, intensidade, frequência e duração de determinados sintomas, na prática clínica percebemos que, para muitos, esse sofrimento não se resume a um diagnóstico único e rígido. Em geral é descrito como um sentimento generalizado – um profundo afundamento, rebaixamento de humor, desânimo, falta de interesse, tristeza e exaustão – sem atribuição de uma causa ou um rótulo específico à experiência.
A diversidade de manifestações torna o quadro depressivo polimórfico. Para alguns, ele pode coexistir ou alternar com picos de mania (euforia). Para outros se manifesta acompanhado de distúrbios psicossomáticos, alterações no sono (insônia, sonolência, pesadelos), choro fácil e imotivado, atitudes de isolamento e até agressividade.
Trago isso para enfatizar que as variações evidenciam que a depressão não é um fenômeno homogêneo. Esse termo abrange uma pluralidade de sintomas e significados, que variam de acordo com a singularidade de cada sujeito.
"É esse exatamente o primeiro traço biográfico da Depressão. Ela tem tantos nomes que não podemos saber exatamente se é uma única entidade ou várias. Ela foi descrita por tantos pontos de vista diferentes que não sabemos se tem uma única personalidade ou se é uma personalidade múltipla e mutante"
Christian Dunker
Para o tratamento da depressão contamos hoje com a possibilidade de medicação, que é de extrema importância e relevância quando feita com responsabilidade e a partir da prescrição e acompanhamento de bons profissionais. O uso de fármacos em algumas situações pode salvar vidas.
No entanto existe, e é muito forte no cenário contemporâneo, o fenômeno de uma supermedicalização: sob o efeito de um uso indiscriminado de fármacos, muitos buscam alívio imediato e completo distanciamento de seu sofrimento, evitando questionar as raízes de seu mal-estar e perdendo a oportunidade de transformar sua relação com o sofrimento e encontrar novos caminhos para lidar com a vida.
É preciso considerar a psicoterapia como parte essencial do tratamento da depressão.
Em uma psicoterapia temos a possibilidade de analisar três aspectos fundamentais para compreensão dos transtornos mentais: primeiro, a relação que cada um de nós estabelece com a realidade – nosso comportamento frente aos desafios do cotidiano; segundo, a formação dos sintomas, vistos como uma forma de comunicação do inconsciente; e terceiro, a etiologia, que exige escutar a nossa história pessoal para compreender o que emerge durante o processo terapêutico.
Investir em psicoterapia para o tratamento da depressão é reconhecer que estamos diante de muito mais que um diagnóstico simplificado. Essa abordagem abre caminho para tratá-la como o fenômeno complexo que é, carregado de significados e construído (também) a partir da história de cada indivíduo.

Comments